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Ataque fatal de onça após 20 anos expõe riscos da imprudência humana na natureza

Por Brasil Direto

O falecimento do zelador Jorge Avalo, vítima de uma onça-pintada em Aquidauana (MS), marcou o primeiro caso letal envolvendo o felino no Brasil em quase vinte anos. O episódio despertou apreensão, mas especialistas apontam que o verdadeiro problema está nas ações humanas arriscadas, como alimentar onças com o intuito de atraí-las — uma prática conhecida como “ceva”.

Essa técnica, usada para aproximar os animais de turistas, faz com que eles percam o receio natural do ser humano, podendo associá-lo à comida. Embora a ceva esteja proibida em Mato Grosso do Sul desde 2011, relatos indicam que ela ainda ocorre com frequência, inclusive sendo registrada por vídeos de pescadores e divulgada nas redes sociais.

Além disso, cresce a preocupação com influenciadores digitais que publicam imagens de felinos silvestres como se fossem animais domésticos, criando uma falsa sensação de segurança. “A onça continua sendo um predador selvagem, com uma das mordidas mais potentes do reino animal”, alerta Fernando Tortato, doutor em ecologia e pesquisador da ONG Panthera Brasil, voltada à conservação de felinos.

A onça envolvida no ataque foi capturada na madrugada de quinta-feira e levada para análise. Pesa cerca de 90 quilos e estava próxima ao local do ocorrido. Outros felinos também teriam se alimentado do corpo da vítima, o que reforça a suspeita de que havia ceva na área.

Casos semelhantes já foram registrados. Em 2007, um pescador de 22 anos foi morto por uma onça em Cáceres (MT), também em uma região onde se praticava a alimentação irregular dos animais.

Tortato espera que esse trágico incidente sirva como ponto de virada. “É preciso reduzir os conflitos entre humanos e fauna selvagem, especialmente em regiões como o Pantanal, onde o ecoturismo depende da presença desses animais”, diz.

Avalo, de 62 anos, era conhecido por sua gentileza e admiração pelas onças. Segundo relatos, ele acreditava que os animais o conheciam e não lhe fariam mal. Dias antes do ataque, um familiar o alertou após ver pegadas nas proximidades, mas o zelador não acreditava estar em perigo.

O biólogo Diego Viana, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, destaca que muitas pessoas acreditam estar ajudando os felinos ao alimentá-los, evitando ataques ao gado. “Mas isso traz risco para si mesmas e para toda a comunidade. A onça não entende gratidão”, ressalta.

Sinais de mais uma onça foram encontrados na área, reforçando a hipótese da ceva, já que esses animais vivem solitariamente. As investigações seguem, com vídeos sendo periciados. A suspeita é de que o ataque tenha ocorrido por volta das 5h, enquanto Avalo tomava café.

Diferente de leões e tigres, a onça não corre atrás de suas presas: ela caça por emboscada, no silêncio. Embora normalmente evite humanos, a aproximação causada por práticas ilegais pode alterar esse comportamento. Estudos mostram que ela se alimenta de cerca de 85 espécies, e o ser humano não faz parte da dieta natural.

Mesmo com o impacto do caso, a probabilidade de ser atacado por uma onça-pintada no Brasil é extremamente baixa — cerca de uma chance em 216 milhões por ano. Os ataques são tão raros que não há estatísticas específicas sobre o Pantanal. Um levantamento da Universidade Federal do Amazonas aponta 77 mortes por onças na Amazônia entre 1950 e 2018, a maioria de caçadores isolados.

Homem alimenta onça no Pantanal: prática pode levar a bote — Foto: Reprodução

A taxa brasileira de incidentes com onças (0,94 por ano) é pequena quando comparada à de outros grandes felinos, como leopardos, tigres e leões. E não há registros de comportamentos predatórios sistemáticos contra humanos por parte de onças-pintadas.

Apesar de ser um ícone da biodiversidade brasileira, a onça já perdeu mais da metade de seu território original. Sobrevive com relativa abundância na Amazônia e no Pantanal, mas está quase extinta em biomas como Mata Atlântica, Caatinga e Cerrado, e já desapareceu do Pampa.

“O desafio é conscientizar sobre práticas responsáveis que não coloquem em risco nem as pessoas nem os animais”, conclui Tortato, destacando a dificuldade de competir com conteúdos nas redes que romantizam o contato perigoso com animais selvagens.

 

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