O governo federal está considerando a substituição do modelo atual de vale-refeição por transferências diretas via Pix para os trabalhadores, independentemente do banco ou instituição financeira. Esta proposta faz parte do debate sobre a regulamentação do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), uma das alternativas para otimizar a distribuição de benefícios alimentícios.
O foco da discussão gira em torno da redução dos custos operacionais cobrados pelas empresas do setor de vale-refeição e vale-alimentação. Estas empresas, ao intermediarem os pagamentos, cobram taxas dos estabelecimentos comerciais, impactando a totalidade do valor destinado aos trabalhadores. A reformulação do sistema visa eliminar essa etapa de intermediação, garantindo que os recursos cheguem diretamente aos beneficiários.
O novo modelo está sendo analisado como uma possível resposta aos efeitos da alta inflação de alimentos, que tem prejudicado especialmente a população de baixa renda. Essa pressão no poder de compra gerou preocupações no governo, especialmente em relação ao impacto que isso pode ter na popularidade do presidente Lula.
Integrantes da equipe econômica consideram que o modelo atual não garante a integralidade dos valores destinados aos trabalhadores, devido às taxas cobradas pelas empresas intermediárias. Além disso, a proposta de pagamento direto via Pix busca melhorar a eficiência e garantir que os valores destinados à alimentação não sejam retidos.
No entanto, para que essa mudança se concretize, será necessário alterar a legislação vigente. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, comentou que as discussões já avançaram após reuniões com o ministro da Casa Civil, Rui Costa, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, e o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, realizadas no início de abril. “Estamos trabalhando internamente para avaliar a viabilidade jurídica da proposta e esperamos ter uma primeira iniciativa de regulamentação do PAT em cerca de 30 dias”, afirmou Haddad.
Uma das questões centrais no debate é a preocupação de que a transferência direta ao trabalhador possa resultar em um uso inadequado dos recursos, que poderiam ser gastos com outras despesas, e não exclusivamente com alimentação. Essa questão tem gerado divisões dentro do governo, com técnicos defendendo maior liberdade no uso dos valores e outros sugerindo restrições para garantir que os recursos atendam ao objetivo original do benefício.
Embora a proposta de modernização tenha o potencial de otimizar o sistema, ela enfrenta forte resistência do setor de cartões, que alega que o modelo atual permite maior controle sobre o uso do benefício, promovendo hábitos alimentares mais saudáveis.
A Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (ABBT) se manifestou contra a mudança, argumentando que a substituição do vale-refeição por pagamentos diretos via Pix representaria a extinção do PAT, um programa com quase 50 anos de história e que atende mais de 23 milhões de brasileiros, especialmente os de baixa renda. A entidade também alertou sobre o risco de transformar o benefício em parte da remuneração salarial, o que acarretaria custos trabalhistas e fiscais adicionais para as empresas. Além disso, a ABBT levantou a preocupação de que a entrega do benefício em dinheiro possa incentivar o desvio de finalidade, com os recursos sendo utilizados para dívidas ou entretenimento.
Em vez de acabar com o PAT, a associação propõe uma ampliação do programa, estendendo os benefícios fiscais atualmente reservados a empresas de lucro real para micro e pequenas empresas do Simples Nacional.
A proposta também é criticada pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), que teme a prática do “rebate” — um desconto ou subsídio oferecido para empresas que fecham contratos com fornecedores. Paulo Solmucci, presidente da Abrasel, argumenta que o governo deveria buscar ajustes regulatórios para aumentar a concorrência, sem depender de subsídios para o setor de alimentação.
O governo, por sua vez, está discutindo a implementação de mudanças no PAT junto à regulamentação da portabilidade e interoperabilidade dos cartões utilizados pelas empresas beneficiárias. O Banco Central, porém, informou que não pretende assumir a regulação desse mercado, o que deve ficar sob a responsabilidade do Ministério do Trabalho.
Renato Gomes, diretor do Banco Central, afirmou recentemente que os arranjos de pagamento associados ao PAT não representam risco sistêmico para o país, e que a regulação desse setor não é da competência da autoridade monetária. Ele também destacou que, embora o BC não tenha responsabilidade sobre a regulação do sistema de pagamentos, há expectativa de que o Ministério do Trabalho possa encontrar soluções para implementar a portabilidade e a interoperabilidade entre os benefícios.