Tensões entre Tailândia e Camboja se intensificam com ataques aéreos

Tanto Bangkok quanto Phnom Penh divulgaram versões divergentes sobre o início do conflito

Conflitos armados envolvendo forças da Tailândia e do Camboja, na região fronteiriça entre os dois países, tomaram grandes proporções nesta quinta-feira, resultando na morte de pelo menos 12 pessoas do lado tailandês. O confronto, que incluiu o uso de caças F-16, foguetes e armamento pesado, representa o episódio mais crítico de hostilidade entre os vizinhos em mais de dez anos. A situação revive uma disputa territorial que remonta a mais de cem anos.

Tanto Bangkok quanto Phnom Penh divulgaram versões divergentes sobre o início do conflito. De acordo com a Tailândia, jatos militares foram enviados para atacar duas bases do exército cambojano em resposta a mísseis lançados contra seu território, que mataram 11 civis — entre eles uma criança de 8 anos — além de um soldado. Informações do Ministério da Saúde da Tailândia apontam também 24 pessoas feridas. O governo cambojano ainda não divulgou oficialmente os dados de vítimas do seu lado.

As autoridades do Camboja acusaram o governo tailandês de promover agressões graves e acionaram o Conselho de Segurança da ONU solicitando uma reunião urgente. O primeiro-ministro cambojano, Hun Manet, também denunciou o uso de armamentos pesados por parte da Tailândia e afirmou que houve violação territorial, caracterizando tais ações como ofensivas ao direito internacional. Ambos os governos pediram que moradores deixassem a zona próxima à linha de fronteira. A Tailândia já evacuou cerca de 40 mil pessoas para locais mais seguros e fechou a passagem entre os dois países.

O pesquisador Jayant Menon, do Instituto ISEAS-Yusof Ishak em Singapura, alertou que a escalada pode evoluir para um confronto de maiores proporções se não for controlada a tempo.

Embora episódios de tensão entre os dois países já tenham ocorrido anteriormente, o atual cenário representa o mais grave desde 2011, quando combates deixaram dezenas de mortos. O principal ponto de conflito permanece sendo a área próxima ao templo de Preah Vihear, cuja soberania é reivindicada por ambas as nações com base em mapas históricos da era colonial. O Camboja se baseia em um documento de 1907 feito sob domínio francês, enquanto a Tailândia alega imprecisão nesse material.

Em 1962, a Corte Internacional de Justiça reconheceu o controle cambojano sobre a área do templo. Mesmo assim, a disputa continuou sendo fonte de atritos. Em 2011, novos confrontos levaram o Camboja a retornar ao tribunal, que reafirmou a decisão anterior dois anos depois.

Desde maio, o clima entre os dois países se deteriorou, especialmente após a morte de um militar cambojano durante troca de tiros. Na quarta-feira, um novo episódio aumentou as tensões: uma mina terrestre feriu cinco soldados tailandeses, o que levou Bangkok a expulsar o embaixador cambojano e convocar de volta seu representante diplomático. Como resposta, Phnom Penh fez o mesmo, retirando seus representantes da Tailândia e exigindo medidas similares.

O governo tailandês emitiu nota responsabilizando o Camboja pelos ataques, exigindo o fim das agressões a alvos civis e militares e avisando que, caso continuem, responderá com medidas proporcionais de autodefesa, respeitando os princípios do direito internacional, segundo declarou o porta-voz Nikorndej Balankura.

Apesar de ambas as partes terem afirmado que buscariam reduzir a tensão após o confronto de maio, o ambiente permanece instável. A Tailândia restringiu quase totalmente o tráfego fronteiriço com o Camboja, mantendo exceções apenas para casos essenciais. Já o governo cambojano suspendeu importações de produtos tailandeses, bloqueou canais de internet e interrompeu fornecimento de energia vindo do país vizinho.

A situação política interna na Tailândia também contribuiu para o agravamento da crise. A primeira-ministra Paetongtarn Shinawatra foi afastada temporariamente no início de julho após o vazamento de uma ligação em que se referia a Hun Sen, ex-líder do Camboja, como “tio” e criticava líderes militares de seu próprio país. A gravação causou forte reação da população e levou à saída do segundo maior partido da coalizão de governo, o Bhumjaithai, que a acusou de postura branda em relação ao Camboja. Ela se defendeu dizendo que seus comentários estavam inseridos em um contexto estratégico de negociação e terá até o fim de julho para apresentar sua justificativa formal.

O vice-premiê da Tailândia, Phumtham Wechayachai, classificou a disputa como sensível e defendeu que seja tratada com responsabilidade, dentro das normas internacionais. Por sua vez, o primeiro-ministro cambojano disse estar disposto ao diálogo, mas advertiu que seu país responderá com força caso continue sendo atacado.

Analistas apontam que, embora uma guerra em larga escala pareça improvável, a falta de lideranças políticas sólidas em ambos os países dificulta qualquer movimento de recuo. Em termos militares, a Tailândia leva clara vantagem aérea, com caças modernos F-16 e Gripen C/D, enquanto o Camboja depende majoritariamente de sistemas de defesa aérea chineses do tipo KS-1C.

Após reunião de segurança nacional, Phumtham informou que, até o momento, não houve tratativas diretas com o Camboja e classificou os embates como confrontos, não como guerra declarada. Ainda assim, determinou a retirada de civis num raio de 50 km da região de fronteira.

Anwar Ibrahim, primeiro-ministro da Malásia e atual presidente da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean), afirmou que pretende intervir com diálogo e pediu contenção dos dois lados. China e Estados Unidos também se pronunciaram, emitindo alertas a seus cidadãos. Pequim expressou “profunda preocupação” com os acontecimentos recentes.