Declaração de Barroso vira munição para bolsonaristas e acende alerta no STF

Barroso, ao comentar o cenário jurídico em torno dos processos, afirmou que, uma vez concluídos os julgamentos e estabelecidas eventuais condenações, a decisão sobre anistiar ou não os envolvidos passaria a ser de natureza política

As declarações do senador Ciro Nogueira (PP-PI) sobre a anistia aos envolvidos nos atos golpistas do 8 de janeiro provocaram forte reação entre ministros do Supremo Tribunal Federal. O parlamentar, ex-ministro do governo Bolsonaro e atual presidente do PP, afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo que o avanço das discussões sobre o tema no Congresso Nacional só ocorreu após uma avaliação feita pelo presidente do STF, Luís Roberto Barroso, o que teria aberto espaço político para o debate.

Barroso, ao comentar o cenário jurídico em torno dos processos, afirmou que, uma vez concluídos os julgamentos e estabelecidas eventuais condenações, a decisão sobre anistiar ou não os envolvidos passaria a ser de natureza política. Embora o ministro tenha negado qualquer intenção de influenciar o Legislativo, a fala foi rapidamente interpretada por setores bolsonaristas como uma espécie de sinal verde para a articulação de um projeto de anistia no Parlamento, incluindo a possível inclusão do ex-presidente Jair Bolsonaro entre os beneficiados.

A interpretação, no entanto, causou incômodo e revolta dentro da própria Corte. Um dos ministros, sob condição de anonimato, criticou duramente a posição de Barroso, argumentando que o regime democrático é uma cláusula pétrea da Constituição e, por isso, não pode ser objeto de perdão legal. Esse magistrado chegou a classificar como absurda a ideia de considerar anistiável qualquer ataque à democracia, independentemente do momento — antes ou depois do julgamento.

Outros ministros compartilharam da mesma visão e viram na declaração de Barroso um gesto unilateral, considerado desrespeitoso à maioria da Corte, que se posiciona de forma contrária à concessão de anistia nesse contexto. Na avaliação de alguns integrantes do STF, o presidente da instituição teria fornecido uma justificativa política para a deflagração do movimento bolsonarista no Congresso, sem que houvesse qualquer consulta prévia à Corte.

Do ponto de vista jurídico, outro ministro ponderou que não há impedimento técnico para que o Congresso proponha uma anistia mesmo antes do encerramento dos processos, contrariando a sugestão de Barroso de que isso só seria possível após o trânsito em julgado das decisões.

Mesmo entre os que admitem divergência sobre o tema, há consenso de que a posição defendida por Barroso representa uma minoria dentro do plenário. Estima-se que apenas três ou quatro dos onze ministros compartilham da mesma leitura, incluindo o próprio presidente do STF. Um dos magistrados foi taxativo ao afirmar que há “chance zero” de o Supremo chancelar uma anistia ampla, mesmo diante de eventual apoio majoritário no Congresso Nacional.

Na visão desse ministro, Barroso teria tentado fazer um gesto político num momento de instabilidade institucional, agravado por pressões externas e ameaças de sanções por parte do governo dos Estados Unidos contra membros do Supremo.

Alguns ministros também relembraram a postura anterior de Barroso diante de situações semelhantes. Em 2022, por exemplo, o presidente do STF foi um dos oito votos que anularam o indulto concedido por Jair Bolsonaro ao então deputado Daniel Silveira, condenado por incentivar a abolição violenta do Estado democrático de Direito e por coagir o Judiciário. Na ocasião, Barroso defendeu que o perdão havia desviado de sua finalidade constitucional e reforçou que cabe ao Supremo interpretar o alcance das leis e da própria Constituição em um regime democrático.

Outro integrante da Corte que votou pela anulação do indulto a Silveira foi o ministro Luiz Fux, que vem demonstrando, recentemente, maior abertura às teses defendidas pelas defesas dos acusados de envolvimento na tentativa de golpe de 2023. Naquele julgamento, Fux sustentou que crimes contra a democracia não poderiam ser objeto de anistia, argumentando que o Estado democrático de Direito é protegido por cláusula pétrea — e, portanto, nem mesmo uma emenda constitucional teria o poder de revogá-lo.