Apesar de os acusados terem tentado atrair apoio das Forças Armadas para a tentativa de ruptura institucional, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) enfatizaram em seus votos que a instituição militar se manteve separada da trama. Alexandre de Moraes e Flávio Dino sublinharam que os comandantes resistiram às pressões e reforçaram que o julgamento não trata da atuação das Forças Armadas, mas sim das ações de indivíduos que buscaram usá-las como ferramenta política.
Relator do processo, Moraes iniciou sua manifestação lembrando que a estratégia dos réus dependia de uma aparência de legitimidade, a ser obtida por meio do respaldo militar. Ele destacou que a recusa dos comandantes em aceitar a minuta de decreto que visava impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi fundamental para o fracasso do plano.
O ministro ressaltou que a análise do Supremo se restringe à conduta de pessoas específicas. Para ele, a defesa da soberania nacional exige Forças Armadas fortes, técnicas e independentes, e não subordinadas a projetos políticos. Moraes também citou informações da Polícia Federal que revelaram a circulação, em dezembro de 2022, de um documento que previa a criação de uma “Comissão de Regularidade Eleitoral” e a suspensão da posse de Lula. O texto chegou a ser levado a comandantes militares, mas foi rejeitado pelas cúpulas.
Na sequência, Flávio Dino acompanhou a linha argumentativa de Moraes, reforçando que a democracia só se sustenta com uma clara separação entre as instituições de Estado e as disputas partidárias. Ele alertou que o direito penal deve funcionar como um mecanismo preventivo para impedir novas pressões de natureza golpista. Dino considerou que os acampamentos em frente a quartéis jamais deveriam ter existido e afirmou esperar que não se repitam, assim como não se deve admitir militares em eventos de cunho político usando farda. Para ele, o papel das Forças Armadas deve permanecer exclusivamente técnico e profissional.
Dino ainda recordou que tribunais constitucionais da Europa e a Suprema Corte dos Estados Unidos historicamente atuaram como barreiras contra aventuras autoritárias, e destacou que o Brasil trilhou o mesmo caminho ao tipificar crimes contra o Estado democrático de direito. Na sua avaliação, todas as instituições estatais precisam manter neutralidade e independência.
Ao longo de suas manifestações, os dois ministros também demonstraram preocupação em preservar a imagem das Forças Armadas. Moraes frisou que não houve adesão institucional ao plano de ruptura, enquanto Dino defendeu que a experiência recente deve servir de lição para que os militares não sejam novamente arrastados para disputas de caráter político.
O pano de fundo das falas remete ao ambiente de tensão do fim do governo Bolsonaro, quando documentos e depoimentos revelados pela investigação apontaram que aliados do ex-presidente contavam com apoio das Forças Armadas para manter sua permanência no poder — expectativa simbolizada pelos acampamentos em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília. A ausência de apoio da cúpula militar, destacada pelos ministros, foi um dos fatores decisivos para o insucesso da tentativa golpista.
O julgamento seguirá ao longo da semana, com manifestações dos demais ministros. A expectativa é que a Corte estabeleça parâmetros claros de responsabilização dos acusados pelos ataques de 8 de janeiro e, ao mesmo tempo, reforce uma mensagem institucional sobre o papel das Forças Armadas dentro da democracia brasileira.