Um paciente que integrou um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) conseguiu permanecer sem sinais do HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) por 78 semanas – cerca de um ano e meio. O caso, considerado um dos mais promissores já registrados em termos de remissão de longo prazo, pode abrir novas possibilidades para o tratamento da doença e até para sua futura eliminação sem a necessidade de transplante de medula óssea.
A pesquisa envolveu 30 voluntários, todos homens, latinos-brancos, com média de idade de 38,3 anos, variando entre 23 e 58. Durante 48 semanas, eles receberam diferentes combinações de medicamentos. Em seguida, o tratamento foi interrompido para avaliar se o vírus retornaria.
Entre os 26 pacientes que aceitaram suspender a medicação, 25 voltaram a apresentar carga viral detectável em até 14 semanas. Apenas um deles, identificado como P13, manteve o vírus indetectável por 78 semanas, até que houve novo registro da infecção.
Segundo o infectologista Ricardo Sobhie Diaz, coordenador do estudo, o objetivo era explorar alternativas que pudessem aproximar os pacientes de uma possível cura, reduzindo a quantidade de células do corpo que servem de reservatório para o HIV.
O trabalho começou a ser desenhado em 2012, com a seleção dos participantes concluída em 2014. Ao longo do estudo, diferentes estratégias foram aplicadas: intensificação do tratamento antirretroviral com mais fármacos, uso de medicamentos chamados “reversores de latência”, capazes de ativar o vírus escondido, aplicação de substâncias que induzem a morte das células infectadas e, por fim, uma terapia celular personalizada. Nesta última, células do próprio paciente foram modificadas em laboratório para treinar o sistema imunológico a reconhecer e destruir células contaminadas.
Os voluntários foram divididos aleatoriamente em seis grupos: um de controle, que seguiu apenas com o tratamento tradicional, e os demais com combinações variadas das intervenções. Um desses grupos recebeu as quatro estratégias simultaneamente.
Durante os testes, não foram observados efeitos colaterais graves, nem queda significativa da imunidade dos pacientes. Para avaliar a eficácia das intervenções, foi necessária a interrupção do tratamento antirretroviral, sempre sob análise ética, devido aos riscos de rebote do vírus ou de agravamento clínico.
O caso de P13 chamou a atenção não apenas pela remissão prolongada, mas também porque exames apontaram que sua idade epigenética – medida usada para indicar o envelhecimento biológico – havia retrocedido em cerca de 15 anos. Isso sugere que o tratamento, além de controlar o HIV, pode ter ajudado a reverter sinais de envelhecimento acelerado, comum entre pessoas infectadas.
Até agora, resultados semelhantes só haviam sido obtidos em pacientes submetidos a transplante de medula óssea, procedimento altamente invasivo e restrito a poucos casos.
Os cientistas da Unifesp já preparam um novo estudo, desta vez com todos os voluntários recebendo as quatro intervenções combinadas, além de um grupo de controle. O paciente P13 também participará dessa nova etapa.
Diaz destacou que a ciência avança de forma gradual, ressaltando que cada pesquisa concluída contribui para o desenho da seguinte. Ele afirmou ainda que, embora a cura definitiva não seja imediata, o caminho está sendo trilhado com cautela, visando segurança e eficácia para que, futuramente, mais pacientes possam se beneficiar.