Um despacho assinado pelo governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), chamou a atenção da Polícia Federal e é apontado como o primeiro elo do chefe do Executivo fluminense na investigação sobre supostos vínculos do Comando Vermelho (CV) dentro do Palácio Guanabara.
O ato, publicado de forma extraordinária no Diário Oficial do Estado em 3 de setembro deste ano, foi assinado às pressas no mesmo dia em que o ex-deputado TH Jóias, conhecido como Thiego Raimundo dos Santos Silva, foi preso pela PF sob suspeita de envolvimento com lavagem de dinheiro, aquisição de armas e drones, e de manter relações pessoais com líderes da facção no Estado.
Na ocasião, Castro exonerou rapidamente Rafael Picciani (MDB) do cargo de secretário estadual de Esporte e Lazer. Picciani, filho do falecido Jorge Picciani, ex-presidente da Alerj, era considerado herdeiro político do pai e estava envolvido na política estadual há anos. A movimentação teria o objetivo de facilitar a saída de TH Jóias do cargo, evitando que a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro tivesse que deliberar sobre a manutenção ou relaxamento da prisão do parlamentar, conforme previsto nas regras locais.
Fontes ligadas à investigação relataram que a sequência de eventos tinha base em estratégias políticas: com a morte do deputado Otoni de Paula Pai, uma vaga foi aberta no Parlamento. Rafael Picciani, primeiro suplente, optou por não assumir a posição, abrindo espaço para TH Jóias. Ao retornar ao cargo de deputado estadual, Picciani automaticamente fez com que TH Jóias perdesse o assento, eliminando assim a necessidade de votação sobre sua prisão.
A movimentação relâmpago é considerada uma tentativa de driblar um processo político delicado, que poderia expor a Alerj de duas formas: a liberação de um parlamentar preso por tráfico e suspeito de ligação com o CV, ou a manutenção da prisão, que poderia gerar desentendimentos com a facção e impactos negativos na política local.
No dia da manobra, Castro publicou nas redes sociais que, por sua determinação, Rafael Picciani retomava seu mandato na Assembleia, substituindo TH Jóias, preso em ação conjunta das polícias Civil e Federal e do Ministério Público. O governador também compartilhou fotos em que aparece ao lado do parlamentar investigado, fato que chamou atenção da PF.
Em sua decisão que levou à prisão do presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar, nesta quarta-feira (3), o ministro Alexandre de Moraes, do STF, indicou que toda a tramitação do despacho de Castro poderia estar ligada à tentativa de garantir votos para as eleições de 2026.
O despacho do governador foi classificado por investigadores como uma “célere manobra regimental”, com efeito imediato de isolar TH Jóias e proteger a imagem da Alerj, que, até então, tinha associação pública com o parlamentar investigado. Em um segundo momento, a estratégia poderia ter o objetivo de manter o vínculo entre agentes políticos e o Comando Vermelho, considerado responsável pelo maior controle territorial do Rio de Janeiro e capaz de influenciar milhões de votos.
O ministro do STF determinou que o governo forneça todas as informações de acesso aos sistemas oficiais utilizados para tramitar documentos relacionados à exoneração de Picciani, incluindo horários, usuários e logs de acesso. Além disso, Moraes solicitou que a Imprensa Oficial do Estado disponibilize os dados referentes ao pedido de criação da edição extraordinária do Diário Oficial publicada em 3 de setembro de 2024.