Resistência e defesa da arte: os 60 anos do Festival de Brasília

Em 2025, o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro chega aos 60 anos. Criado entre as aulas de Paulo Emílio Salles Gomes, na Universidade de Brasília, o festival se consolidou como marco do cinema nacional, símbolo de resistência e referência cultural.

Primeiro festival de cinema do país, atravessou a ditadura, enfrentou a censura e consagrou diretores brasilienses, reunindo cineastas de todo o Brasil e homenageando artistas como Fernanda Montenegro e Antônio Pitanga.

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Para Sara Rocha, diretora-geral do Festival de Brasília, realizar este evento comemorativo para os 60 anos é uma reafirmação do cinema brasileiro e da importância dele.

“Realizar os 60 anos do Festival nessa edição é, sem dúvida, um um feito muito importante. É um desafio que a gente busca honrar, cuidando dos detalhes e compondo uma programação bastante completa, que dá conta da dimensão histórica e da importância do Festival de Brasília, como elo central do cinema brasileiro e da sua história”.

Sara Rocha, diretora-geral do Festival de Brasília

Imagem mostra a diretora-geral do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, Sara Rocha em frente ao Cine BrasíliaSara Rocha, diretora-geral do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro

São 60 anos de histórias emocionantes e momentos surpreendentes, como a vitória de Louco Por Cinema, de André Luiz Oliveira, no Candango de Melhor Filme em 1994 — o primeiro prêmio da categoria para um filme brasiliense em muitos anos — ou a inacreditável derrota de Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade, no Candango de Melhor Filme em 1969.

Para celebrar esse marco na história da cidade e do festival, o Metrópoles reuniu alguns dos episódios mais marcantes que ajudaram a definir a trajetória do evento.

60 anos de cinema e memórias inesquecíveis

1965 – A Primeira Edição

Ninguém imaginava que, entre as aulas do professor Paulo Emílio Salles Gomes na Universidade de Brasília (UnB), surgiria o primeiro Festival de Cinema do Brasil. Nas primeiras edições, em 1965 e 1966, o evento ainda não tinha o nome que conhecemos hoje: chamava-se Primeira e Segunda Semana do Cinema Brasileiro, respectivamente.

O Festival nasceu como uma fagulha de liberdade em meio à decepção com o golpe de 1964 e à instauração da ditadura militar — que marcaria para sempre sua trajetória. No Cine Brasília, a Primeira Semana do Cinema Brasileiro foi um sucesso, destacando-se pela presença de artistas que se recusaram a ser silenciados pelo regime.

6 imagensEntrada do festival de brasíliaZezé MottaVladimir CarvalhoInauguração da sala Vladimir CarvalhoSecretário de Estado de Cultura e Economia Criativa do DF Cláudio AbrantesFechar modal.1 de 6

Abertura do 57° Festival de Brasília do Cinema Brasileiro

Arthur Menescal/ Especial Metrópoles2 de 6

Entrada do festival de brasília

Luh Fiuza/Metrópoles3 de 6

Zezé Motta

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Vladimir Carvalho

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Inauguração da sala Vladimir Carvalho

Luh Fiuza/Metrópoles6 de 6

Secretário de Estado de Cultura e Economia Criativa do DF Cláudio Abrantes

Luh Fiuza/Metrópoles

1975 – Vitória da Cultura

Censurado entre 1972 e 1974, o Festival de Brasília voltou a ser realizado em 1975 graças à articulação política de Wladimir Murtinho, então Secretário de Educação e Cultura do DF, e Ruy Pereira da Silva, diretor executivo da Fundação Cultural do DF

1976 — Zezé Motta finalmente premiada

Já renomada atriz, Zezé Motta conquistou o primeiro prêmio da carreira como Melhor Atriz no palco do Cine Brasília, durante o 9º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, pela atuação em Xica da Silva, de Cacá Diegues. Ovacionada, ela voltou ao mesmo palco em 2024 para receber o Troféu Candango pelo conjunto da obra.

Foto colorida da atriz Zezé Motta durante o 57º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro - MetrópolesZezé Motta, ao lado de Vladimir Carvalho, foram os grandes homenageados da noite

1983 – Mais mulheres no topo

O 16º Festival de Brasília entrou para a história com um feito inédito: pela primeira vez, uma cineasta mulher conquistou o Candango de Melhor Filme. Suzana Amaral recebeu a honraria por A Hora da Estrela, longa que não apenas consagrou a diretora, mas também lançou Marcélia Cartaxo — hoje atriz e diretora — ao estrelato.

1993 –  A última aparição de Grande Otelo

Um dos mais prestigiados artistas do cinema brasileiro, Grande Otelo teve a última aparição pública durante o Festival de Brasília O ator esteve na abertura no dia 24 de novembro e morreu no dia 26, aos 78 anos, durante um voo à França.

Imagem mostra a chegada do ator Grande Otelo a 5ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro em 1969Chegada do ator Grande Otelo na 5ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em 1969

1996 – Mais destaque para a cultura de Brasília

Desde a estreia, o Festival de Brasília se tornou um polo para o surgimento de novos diretores. Em 1996, a Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) reconheceu a relevância do festival para a cidade e para a cultura e decidiu ter um troféu em nome da CLDF.

Foi esta decisão que levou à criação, mais para frente, da Mostra Brasília, que hoje conta com um criterioso processo de seleção dada a demanda e produção por cineastas locais.

2017 — Criação do prêmio Leila Diniz

Em meio a crescente onda feminista no cinema, o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro criou o o Prêmio Leila Diniz, em 2017, como forma de homenagear a trajetória da atriz e ampliar o protagonismo de mulheres na produção audiovisual brasileira.  A escolha de Leila ocorreu justamente pelo posicionamento transgressor dela no cinema e na vida pessoal.

51ª edição do Festival de Brasília homenageou a atriz Ittala Nandi e a montadora Cristina Amaral com o prêmio Leila Diniz, destinado a icônicas personalidades femininas da sétima arte no país

2020/2021 — Pandemia não impede o Festival

Em 2020 e 2021, o mundo parou por causa da pandemia de coronavírus, mas o Festival de Brasília resistiu, migrando para um formato totalmente virtual.

A retomada presencial em 2022 marcou um recorde na Mostra Competitiva Nacional, com 1.189 filmes — entre curtas e longas — inscritos, o maior número da história até então.

2024 — Homenagem à Vladmir Carvalho

Vladimir Carvalho, cineasta paraibano radicado em Brasília, deixou sua marca na história do Festival de Brasília. Morto em outubro de 2024, foi homenageado na edição daquele ano com exibição de curtas, premiações e a inauguração oficial da principal sala do Cine Brasília, batizada em sua memória como Sala Vladimir Carvalho.

48 Festival de Brasília do Cinema Brasileiro — Na foto o o cineasta homenageado Vladimir Carvalho e seu irmão Walter Carvalho

2025 — 60 anos

Por causa do período de censura da ditadura, o Festival de Brasília celebra os 60 anos com a 58ª edição. O evento comemorativo contará com uma programação especial e terá como filme de abertura a estreia de O Agente Secreto de Kleber Mendonça Filho em solo brasiliense. A participação do diretor do longa, da atriz Maria Fernanda Cândido e da produtora Emilie Lesclaux durante a abertura do Festival também está confirmada.

O Festival de Brasília celebra 60 anos em sua 58ª edição, já que três edições foram suspensas durante a ditadura. A programação especial terá como filme de abertura O Agente Secreto, de Kleber Mendonça Filho, com a presença confirmada do diretor, da atriz Maria Fernanda Cândido e da produtora Emilie Lesclaux.

A demanda por ingressos foi tão grande que uma segunda sessão precisou ser adicionada no dia seguinte, esgotando-se rapidamente. Em 2025, o festival retorna ao calendário nacional entre os festivais de Gramado e do Rio, ocorrendo de 12 a 20 de setembro.

A programação completa desta 58ª edição podem ser conferidas aqui.

“Farol de resistência do cinema brasileiro”, diz Antônio Pitanga

O ator Antônio Pitanga, que foi laureado pelo Candango do conjunto da obra em 2023, esteve em Brasília para apresentar o novo longa dele, Malês, para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dias antes do Festival de Brasília.

Em conversa com o Metrópoles, o ator e cineasta refletiu sobre a importância do Festival para a carreira dele e também para a cultura nacional. “Tem uma importância muito grande, porque foi o farol de uma resistência do cinema brasileiro, de um movimento cidadão, de uma democracia. Não foi só passar filmes”, frisou.

Foto colorida de Antônio Pitanga e Rocco Pitanga no 56º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro - MetrópolesAntônio Pitanga recebeu o troféu, como homenageado do 56º Festival Brasília do Cinema Brasileiro da mão de seus filhos, Rocco Pitanga

Antônio destacou que a presença de diferentes gerações no Festival enriquece o diálogo cultural e oferece perspectivas variadas sobre questões reais do país. “É uma caminhada que merece todos os nossos aplausos”, frisou.

Lino Meireles, autor do livro Candango: Memórias do Festival, que também virou documentário, ressalta a relevância do Festival para os movimentos de cinema no Brasil. Brasiliense, ele lembra como o evento abriu portas para diversos cineastas da cidade.

“Acho que sem festival, muita gente nem saberia que era possível fazer cinema aqui, fazer filme e o filme passar no cinema. E o Festival de Brasília, ele se reinventou e teve que renascer várias vezes por diferentes motivos”, pontua.

Lino Meireles

Lino Meireles

Para o Secretário de Estado de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal, Claudio Abrantes, os 60 anos do Festival de Brasília celebram não só a longevidade dele mas a história de resistência, ousadia e compromisso com a arte e a democracia.

“Ver essa edição acontecer é testemunhar o legado de todos aqueles que construíram o Festival de Brasília e, ao mesmo tempo, projetar o futuro do cinema nacional. É especial porque marca uma trajetória que se confunde com a própria história cultural do Brasil, e porque mostra que a chama da arte segue viva, inspirando novas gerações”, afirmou.

Cláudio Abrantes —Secretário de Estado de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal